18 julho 2005

julieta do oriente e romeu do ocidente















julieta está triste, revoltada com a vida, de agruras e não-perdões, abusos seculares, punições sem limite...
julieta anda perdida, sem rumo nem sentido, sem razão de esquecer o que não pode ser esquecido..
um dia lhe disseram que Ele era o supremo ser, razão de todas as coisas, perdão e castigo, fonte de toda a vida...
julieta foi então, por terras sem fim, espalhar o seu verbo, além da vista e dos ecos, como o voo de um falcão, além do longínquo espaço, onde nada existia...
suas quimeras espalhou e em tempos imemoriais o belo romeu amou...

mas um dia ele a culpou, de paixão tão grande não possuir, de ferir seu irmão, seus criados perseguir, seus anjos destruir... com máquinas de guerra, por palavras e acções, que o amor mais puro não permite...
esqueceu romeu do ocidente, que julieta do oriente ama tanto quanto pode, seus irmão e seus filhos... talvez uma estranha forma de amar, talvez por vezes erre, talvez apenas seja humana, ou queira só a sua ajuda, para a luz tornar a ver... em PAZ


não às bombas, não aos actos de tirania, não aos romeus inquisidores...

07 julho 2005

o mal da semente

«Ora se em Portugal se chega ao poder através de promessas impossíveis de cumprir, por políticos que uma vez no governo, as trocam pelo trajecto que condenaram no anterior, que diferença faz, virem estes aqui, dizer que o mal está na semente e não no fruto?»

Antoninho olha através da janela enquanto os políticos, sentados próximo, vão articulando palavras, entre meia dúzia de escribas que tiram notas, seguram microfones ou filmam o evento, para uma posteridade qualquer.

O menino é o adereço de uma conferencia de imprensa, dedicada ao problema da educação, num país africano lusófono, cujo nome não é para aqui relevante.

Podia ser em qualquer um deles. Ou, preferivelmente, em nenhum. Mas, verdade verdadinha, aconteceu mesmo, tal como a vida do Antoninho.

A boca da ministra vai libertando palavras, redondas, quais bolas de sabão, que ficam a pairar no ar, agarrando, num arco-íris, a nossa imaginação.

Perenes, frágeis. Mas que interessa isso, se por cada uma que rebenta, pelo menos outra se enche renovando o ciclo e a vertigem anotadora dos escribas.

«O demónio do colonialismo, esse crime contra a humanidade...» e lá vai ela em roda livre, animada pelo menear concordante das caixas craneanas, do seu séquito ministerial e dos agentes da polícia do pensamento.

Antoninho limpa as palmas suadas das mãos àqueles farrapos que já terão sido calças, certamente noutro corpo. Não no dele, que não foi feito para estrear roupas, ou conheceu outras que por tal passassem.

A atenção mora-lhe naquele pássaro pousado na janela, que vai limpando as penas azuis da cauda, com um bico longo, roxo, encurvado na ponta, e prossegue depois a higiene, corpo acima.

«...é por causa do colonialismo que meninos como este nem uma carteira têm para se sentar nas escolas...» – e lá vai ela, de espada em punho, corcel esporado, trucidando fantasmas de um castelo desmoronado há três décadas.

Alguém destoa no pelotão de escribas, provocando o escândalo na sala.

Comentários desaprovadores a granel. «Senhora ministra?desculpe?mas que idade tem esse menino?o Antoninho?» – pergunta um jovem jornalista português. Branco. Duplo pecado.

Ouve-se um rumorejar condenatório na sala. Os escribas, laterais, afastam-se para o bordo exterior das respectivas cadeiras. Excomungando assim, corporativamente, o inquiridor, que volta ao ataque:» Senhora ministra. Importa-se de responder ao que lhe perguntei?».

Silêncio...um dos comissários políticos chega-se à frente e tenta esvaziar a tensão...»mas porquê...a sua pergunta...qual a relevância da idade do rapaz, no que nos trás aqui?» – e ri-se, arrastando toda a sala, numa gargalhada nervosa.

Todos, escribas incluidos, sorriem. Todos, menos o Antoninho. E o jornalista. E a ministra repara finalmente. Na inesperada ponte, entre os dois extremos. Entre os dois silêncios.

«Porquê a sua pergunta?» – dispara ela, somando-se agressiva para o tuga branco sentado à sua frente. O jornalista sustem a respiração mas o Antoninho larga o pássaro, da janela, e volta à sala: « Tenho 14 anos. Ou melhor, faço-os amanhã!» – exclamou o rapaz, sentindo-se pela primeira vez, parte da conversa.

Todos os olhos se viram para o tuga, que sente a pressão: «...eu...é só que não percebo senhora ministra...então a independência do país já aconteceu há mais do dobro da idade do rapaz, do Antoninho, e a senhora diz que a culpa de ele não ter bancos na escola é ainda do colonialismo?dos portugueses?é só isso que eu não percebo...» - consegue ainda articular antes de se esvaziar o ultimo gás na sua voz.

O tuga branco é fuzilado com os olhos de todos os ângulos possíveis na sala.»Ah! Você é um confusionista! É um desses. Você vem p´ráki arranjar confusão!» – atira-lhe um dos Excelências sentado ao lado da ministra, que arredonda ainda mais a cara luzidia, num sorriso de recém-salva.

«Só você pelos vistos é que não percebeu nada do que se falava nesta sala» – acrescenta ela, empinando o nariz arrebitado.»O mal que os portugueses nos deixaram não acabou no dia da independencia. Está aí até hoje. Deixado na terra como sementes de erva daninha. Por muito que a gente as mate e arranque, continuam a nascer».

Os escribas aceleravam na perpetuação daquele momento de lucidez imperdível, que comovia até ao humedecer dos olhos, o pelotão de balalaicas, formado na aura da ministra.

«Foram vocês quem nos ensinou a destruir, a não dar valor. Quando vocês se foram embora, partiram tudo, sabotaram tudo, queimaram tudo, até cimento despejaram nos esgotos da cidade. Foi esse o exemplo que deram aos nossos jovens. E agora quem vir dar-nos lições de moral!».

O comissário Macuácua não conseguiu aguentar mais. As palmas e diversos «muito bem» sairam-lhe de rompante, como água de uma comporta arrombada. De repente, o jornalista tuga, branco, era sorvedouro e o primeiro bode espiatório, da nova versão da História oficial. Do novo país.

«E porque não?» Pensou ele. «E porque não? Até que isto faz algum sentido, mesmo que não o faça. Mesmo que seja o escapismo mais delirante, à incompetência ou impotência de quem sucedeu ao colonialismo».

«Ora se em Portugal se chega ao poder através de promessas impossíveis de cumprir, por políticos que uma vez no governo, as trocam pelo trajecto que condenaram no anterior, que diferença faz, virem estes aqui, dizer que o mal está na semente e não no fruto?».

in "Jornal de Negócios"
OPINIÃO
Publicado em 7 Julho 2005 13:59
por António Mateus

mailto:antoniomateus@hotmail.com

02 julho 2005

os velhos também se abandonam ou a tristeza de estar a mais

verão… praias de areias quentes, a água refrescante do mar, corpos ao sol, as férias merecidas...

aeroporto de Bolonha, duas horas da tarde. à chegada ia contando… um, dois… seis… trinta e oito… faltava apenas uma pessoa, uma senhora que nunca havia visto, sobre quem incidia um pedido de atenção especial.

depois de procurar com os olhos, vi finalmente uma cabecinha branca, de aspecto frágil, que nervosamente mostrava todos os seus documentos a um casal italiano.
gentilmente tentavam ajudar a senhora, falando num português com leve sotaque brasileiro. aproximei-me e perguntei: “Senhora D. Margarida?”
a pobre começou a chorar, perdida em terras estranhas, sem conhecer ninguém, com uma imensa doçura nos olhos.
falei-lhe com ternura, tentando acalmá-la e perguntei pelas suas malas. respondeu-me então: “Minha filha esqueceu-se delas no quarto, só tenho estes papéis.”
compreendi então que qualquer coisa estava errada. pedi-lhe que me acompanhasse e fui ao serviço de bagagens, onde recuperámos os seus haveres.

dirigimo-nos ao autocarro e pedi ao motorista que guardasse as malas. entrei, sem reparar que a senhora não me acompanhara. veio então o motorista, que disse: “ Ela queria entrar para a bagageira…”

meu Deus, pensei. esta senhora está completamente perdida!

Pisa. paragem de hora e meia para visitar o Duomo e tirar fotografias da famosa Torre. à hora combinada estava toda a gente de regresso. apenas faltava aquela senhora. várias pessoas se ofereceram para me ajudar a procurá-la. encontrámo-la a falar com um casal italiano que já estava a ligar para a polícia. ela, de novo chorando, coitadinha. lá fomos então para o hotel em Florença. à hora do jantar, esperei pela Sra. D. Margarida e finalmente apareceu acompanhada por uma jovem do grupo. tinha-a encontrado esperando o elevador, com as malas a seu lado, sem tocar em qualquer botão, como se o mesmo adivinhasse as suas intenções.

compreendi então que a D. Margarida não poderia continuar a viagem, pois corria o risco de continuar a perder-se, ou então era obrigado a andar com ela pela mão, sem poder dar a atenção necessária aos outros membros do grupo.

aliás foi o que aconteceu na visita de Florença, durante a qual me falava de coisas sem nexo, como das “caleches em Sintra, cujos cavalos iam beber água a Monserrate.”

liguei então para Lisboa, onde se contactou a filha, em férias em Espanha, que replicou: “Eu mandei a minha mãe de viagem para poder ir de férias. se devo cancelá-las, quem é que me indemniza?”

depois de alterada a reserva do voo, contratei um carro de aluguer com condutor para levar a senhora ao aeroporto de Bolonha. falei com o motorista, pedindo-lhe que não a perdesse de vista, que me prometeu ocupar-se dela, ajudando-a no check-in. o mesmo que me telefonou no início da noite, preocupado com a próprial senhora, perguntando se ela houvera chegado bem a Lisboa.

à hora que ela era suposta chegar a Lisboa, ligou-me a colega que a deveria receber, dizendo que não tinha aparecido ninguém, embora tivesse uma cartaz bem grande com o seu nome.

estava eu a pensar onde andaria a Sra. D. Margarida, quando recebo outra chamada. era a chefe de cabina do voo em que ela havia viajado, que a encontrara a pé, arrastando a mala, ao pé da rotunda do relógio do aeroporto.
por acaso tinha colocado nos seus documentos, um papel com o meu telefone em algarismo garrafais, não fosse dar-se o caso de ela voltar a perder-se.

pelos vistos, a Sra. D. Margarida estava destinada a ter mais atenção de estranhos do que de quem lha devia dar…

entregue pela hospedeira no balcão da companhia aérea, foi acompanhada pela minha colega até à hora do voo para Faro, onde a filha iria buscá-la. terá chegado bem, segundo esta soube, depois de falar com a filha.

no dia seguinte estávamos já em Assis, quando recebo nova chamada, desta feita com uma voz espanhola do outro lado. era o comissário do posto de polícia de Huelva, que me disse terem encontrado a senhora sozinha, perdida nas ruas da cidade. contei-lhe toda a história e forneci-lhe o número da filha.
disse-me então o comissário indignado: “Voy a contactar esa señora y a darle una paliza, porque lo que hace con su madre aqui es considerado un crime!”

mais não soube da Sra. D. Margarida, mas de cada vez que penso nela, vêm-me ao pensamento meus pais.

será que aqueles que até ao fim de suas vidas nos dão o seu amor, tratam as nossas feridas e enxugam as nossas lágrimas, não têm o direito de ter a nossa atenção e carinho?

seremos tão ingratos a ponto de atirar para o lado quem não consegue acompanhar os nossos passos ao ritmo acelerado dos dias de hoje?

os velhos não se abandonam, não estão a mais. são parte da nossa vida !!

homo barbarus vs. homo lusitanus






















"na noruega, o horário de trabalho começa cedo (às 8 horas) e acaba cedo (às 15.30).
as mães e os pais noruegueses têm uma parte significativa dos seus dias para serem pais, para proporcionar aos filhos algo mais do que um serão de televisão ou videojogos.

têm um ano de licença de maternidade e nunca ouviram falar de despedimentos por gravidez.

a riqueza que produzem nos seus trabalhos garante-lhes o maior nível salarial da europa, que é também, desculpem-me os menos sensíveis ao argumento, o mais igualitário.
todos descontam um IRS limpo e transparente que não é depois desbaratado em rotundas e estatuária kitsh, nem em auto-estradas (só têm 200 quilómetros dessas «alavancas de progresso»), nem em Expos e Euros.

é tempo de os empresários portugueses constatarem que, na noruega, a fuga ao fisco não é uma «vantagem competitiva». ali, o cruzamento de dados «devassa» as contas bancárias, as apólices de seguros, as propriedades móveis e imóveis e as «ofertas» de património a familiares que, em Portugal, país de gentes inventivas, garantem anonimato aos crimes e «confundem» os poucos olhos que se dedicam ao combate à fraude económica.

mais do que os costumeiros «bons negócios», deviam os empresários portugueses pôr os olhos naquilo que a Noruega tem para nos ensinar. e, já agora, os políticos.

numa crónica inspirada, o correspondente da TSF naquele país, afiança que os ministros não se medem pelas gravatas, nem pela alta cilindrada das suas frotas.

pelo contrário, andam de metro, e não se ofendem quando os tratam por tu.

aqui, cada ministério faz uso de dezenas de carros topo de gama, com vidros fumados para não dar lastro às ideias de transparência dos cidadãos.
os ministros portugueses fazem-se preceder de batedores motorizados, poluem o ambiente, dão maus exemplos e gastam a rodos o dinheiro que escasseia para assuntos verdadeiramente importantes.

mais: os noruegueses sabem que não se «projecta o nome do país» com despesismos faraónicos. basta ser-se sensato e fazer da gestão das contas públicas um exercício de ética e responsabilidade.
Arafat e Rabin assinaram um tratado de paz em Oslo. e, que se saiba, não foi preciso desbaratarem milhões de contos para que o nome da capital norueguesa corresse mundo por uma boa causa.

até os clubes de futebol noruegueses, que pedem meças aos seus congéneres lusos em competições internacionais, nunca precisaram de pagar aos seus jogadores 400 salários mínimos por mês para que estes joguem à bola.

nas gélidas terras dos vikings conheci empresários portugueses que ali montaram negócios florescentes. um deles, isolado numa ilha acima do círculo polar Árctico, deixava elogios rasgados à «social-democracia nórdica». ao tempo para viver e à segurança social.

ali, naquele país, também há patos-bravos. mas para os vermos precisamos de apontar binóculos para o céu. não andam de jipe e óculos escuros. não clamam por messias nem por prebendas. não se queixam do «excessivo peso do Estado», para depois exigirem isenções e subsídios. é tempo de aprendermos que os bárbaros somos nós.

seria meio caminho andado para nos civilizarmos."